quarta-feira, 21 de julho de 2021

De calouro a professor da ESALQ

 



Ivana Maria França de Negri

 

            Nos idos de 1942, meu pai, Geraldo Victorino de França, entrou na faculdade de Agronomia, na então Escola Agrícola Prática de Piracicaba, fundada em 1901. Nem imaginava que seria professor na sua querida Escola, por décadas depois de formado.

            Era motivo de muito orgulho para as famílias ter um filho estudando nessa instituição.

            Meu avô tinha uma imensa fazenda lá pelos lados de Barra Bonita, e meu pai cresceu vendo os colonos arando a terra, fazendo o cultivo e depois a colheita. Estava sempre em contato com a terra e isso o fez criar amor por esse trabalho. Foi quando optou por cursar engenharia agronômica.

            Veio para Piracicaba com 17 anos e foi morar numa das famosas “repúblicas”, como eram chamadas as casas de estudantes. A dele ficava na rua José Pinto de Almeida e os estudantes, eram dez na república, iam de bonde para a Escola Agrícola. Como eram muitos os usuários desse transporte, colocavam um reboque. Meu pai contava que era uma farra, e muitas vezes os estudantes praticavam o “balancê”, que consistia em balançar o reboque até tirar a composição dos trilhos, o que acarretava grande atraso na chegada.

            As repúblicas ostentavam na entrada o famoso “A” encarnado, símbolo da Escola. Os veteranos de outros anos, ditavam as ordens. Assim que chegava um novo morador, batizavam-no com um apelido que o acompanharia até o final do curso. Muitas vezes, o apelido perdurava pela vida toda. Era dado de acordo com as características físicas, lugar de onde veio, defeitos ou aptidões.

            Apelidos como Caolho,  Perneta,  Catatau, Magrelo, Nescau, Baleia, Cabeção, Capiau, poderiam hoje em dia caracterizar bullying, mas na época nem se cogitava uma coisa dessas. E essa tradição existe ainda hoje. Os “bixos” recebem os chapéus de palha já com seus apelidos gravados. E  não há repetição deles.

            Logo no início, era praxe o primeiro corte dos cabelos e os trotes, que eram marcantes, alguns até violentos. O trote acadêmico era uma espécie de prova de fogo. Uns levavam na brincadeira, mas outros, talvez mais tímidos, ficavam atemorizados e marcados para sempre. Hoje em dia estão proibidos.

            Havia também a famosa passeata dos calouros, uma espécie de Banda do Bule, onde os novatos, obrigados e embebedar-se, saíam vestidos de mulher ou com sátiras a governos ou fatos da época. Essa passeata era um evento muito aguardado e marcante.

            Meu pai conheceu minha mãe, uma jovem professorinha, no jardim da praça central. E iniciaram o longo namoro que durou oito anos até o casamento.

            Os estudantes da Escola Agrícola eram chamados de “agricolões”, e eram considerados ótimos partidos pelas famílias das moças em idade de se casar. Hoje, os estudantes se denominam Esalqueanos.

            Existiam e creio que nos dias de hoje também, os jogos esportivos interrepúblicas, e muitas festas nas repúblicas e na Casa do Estudante. Mas os bailes de formatura eram mesmo os mais ansiosamente aguardados, com muita pompa e beleza. Todos usavam trajes de gala, e as orquestras tocavam até o sol raiar.

            Contam que muitos estudantes namoricavam por aqui enquanto faziam o curso, mas no dia da formatura, traziam suas noivas oficiais de suas terras natais causando muito choro e decepção.

             Como diz a música, velhos tempos, belos dias...